TEMPO PARA A POESIA

Eu descobri que não falta tempo para a poesia,
sobra tempo até!

O tempo para a poesia é o mesmo do trabalho,
da academia, do Instagram e do noticiário. 
Ocupa o passar das horas, como o fluir das ondas.

Há quem faça da poesia alimento diário
nutrindo-se dia após dia do sabor do inefável,
disso que expande os limites do infinito e 
nos fala dos encantos e assombros do viver.

Vem! 
Mergulha você também neste mistério,
só por prazer. 
Vem!

© Francine Canto

POEMAS AOS MISERÁVEIS

Passos passam pelas calçadas
do centro da cidade. 
Nas calçadas também jazem 
os desajustados, 
os miseráveis, os marginais,
enrolados em trapos, em papelões 
ou sacos de plástico. 
Chamam-lhes de vagabundos, 
bêbados, preguiçosos. 
Quem saberá de suas histórias 
em um país assolado, esfolado 
e carcomido pela crise?
Quem saberá de suas histórias 
em um país no qual a justiça social 
é um conceito abstrato?

© Francine Canto

DA ARTE POÉTICA À ARTE POLÍTICA

Na escola aprendi matemática, 
português, química e até informática,
mas não aprendi nada sobre política.

Na prática, 
nesta área do conhecimento
cresci raquítica e apática.

Mas não me fiz acrítica.
Minha visão holística 
me levou à arte poética
e também à ética e à didática
e aos poucos fui entendendo 
a importância da política,
arte tática, que sonho que um dia
seja verdadeiramente democrática.

© Francine Canto

O CORPO DO VERBO

Qual porta é a porta
que o poema decide adentrar?

Que história é a história
que meu verbo quer contar?

Costuro lembranças, incorporo sentenças,
mesclo memórias, projeto projeções.

E tu, o outro, com que narrativas tu crias
as falas do teu ser star?

Misturamos matérias: poemas, cartas, notícias,
roteiros, ficções, relatos…

Cheios de intenções, proferimos tranqueiras líricas pelos ares,
tudo para expurgar do peito aquilo que nos toca a alma…

Nós, seres culturais,
no mar do tempo nos entrelaçamos em redes,
colorimos com palavras o corpo do verbo.

© Francine Canto

PARÊNTESES

20160124_160800

Quantos parênteses
são os que se abrem,
ao vento,
quando ele sopra,
na profunda amplidão
do tempo-espaço?

Quantos cafés,
sorrisos e afagos?
Quantos momentos,
amigos e eventos?

Quantas palavras
gravadas em guardanapos?
Quantas perdidas no espaço,
feito fumaça?

Tudo se sucede.
Desde o Big Bang até o Big Bang.
Tudo se repete.

Mas as formas – recombinadas –
levam a vida ao infinito,
num labirinto de êxtase
luta, amor, calafrio e beleza.

© Francine Canto

ÀS VEZES

tempestade_web

São tantos ouvidos, que a palavra se esconde.
São tantos ruídos, que a mente embaralha.
Na calada da noite um grito de poesia eclode
e deixa fluir
o amor cintilante de dentro do murmúrio da fonte.

Às vezes dói tanto, que só resta ser forte.
São tantas grades, guerras, gaiolas,
são tantas palavras jogadas displicentemente
ao léu,
como se não houvesse energia no invisível da voz.

Às vezes dói tanto, que só resta o amor.
No escuro molhado que sobra do dia
traço novas esperanças,
sonho perspectivas e compassos e danças.

Às vezes é tanto, que só resta a poesia.

© Francine Canto

DUST IN THE WIND

rosa_breve-fc.jpg

Fugaz é o sonho!
Fugaz é esse sopro que vivemos
entre o primeiro respiro da vida
e o último suspiro da morte.

Fugaz como a fumaça que se evola.
Fugaz como a poeira no vento.

E no entanto é cheio de atos
este breve espaço que abrimos no tempo.
Tudo a cada instante virando história, lenda,
memória, roteiro, cicatriz, poema.

E aqui estou para dizer-te, amigo:
sim, há injustiças, incompreensão,
desmedidas, descompassos, diferenças.
Há pontes e abismos. Há alma e há lavas.
Há isso que ao nos tocar nos expande:
um assovio-calafrio que dá no corpo – a vida.

© Francine Canto

PERMITIR-ME

264

Quero limpar meu verbo
de todo o excesso de vaidade.

Quero encher minha voz
com a potência da liberdade.

Rimar se for preciso,
permitir-me não agradar.

Experimentar, errar, acertar.
Gerundiar e pairar no ar.

Na fluidez do exercício diário,
amor, ser a humilde flor.

Enquanto eles assistem futebol e falam pelo cotovelos
eu bebo palavras, cheias de vento, à luz do luar.

Entre um e outro verso,
paixão, sigo a pureza da intuição.

Quem poderá dizer que é em vão
que brilha a flor do meu coração?

© Francine Canto

DA SACADA DO MOMENTO

por_do_sol

O sol já se aproxima do horizonte.
Os pequenos barcos que compõem o entardecer
são geometrias da beleza que fisgam meu olhar.

Nas bananeiras as folhas resplandecem, douradas.
E o que, na paisagem, antes eram ricas cores
agora escurece em contraluz.

No fundo, no raso, e no meio de tudo
paira o éter da poesia,
perfumado pelo trinado dos pássaros.

Hoje sonhei que era uma simples operária,
carregava tijolos, movia madeiras,
construía o chi com a respiração.

Entre uma e outra tábua parava para ver a paisagem
e, subitamente, caía em devaneios profundos,
depois acordava e o trabalho continuava.

Hoje sonhei que tocava violão clássico
nas salas de grandes sábios alquimistas,
depois tocava flauta e então poemas eu recitava.

Hoje sonhei com a Terra Pura,
vi a beleza de cada brick on the wall,
tive um instante de paz, senti o amor que vem a mim.

Hoje dormi com a mão no coração,
tentando acalmá-lo de tanta existência.
Dormi, acordei, sonhei, vivi, escrevi.

© Francine Canto

 À REVELIA

IMG-20170727-WA0000

Crio a paz às duas e vinte e cinco.
Sopro no vento a intenção da poesia.
Inspiro, me estico, expiro.
Sou árvore, pássaro, poesia.
Lá fora mil gritos de socorro,
lá fora mil banquetes à minha espera.
Crio a paz às duas e vinte e sete.
Sou no vento a intenção da leveza.
Inspiro, não me mexo, expiro.
Sinto o pesar em cada veia,
o pulsar da gravidade,
a força dos desejos.
Inspiro, expiro, medito.
Crio a paz à revelia.

© Francine Canto

EVOÉ

Quase finda a primavera,
agora o sol encontra o seu ápice.
Tudo dança, tudo rodopia.
Borbulha a imensidão no espiralar da vida.
Escuto o som de um alçar voo.

Nisso que é vertigem e miração,
entrega e aceitação,
viro-me com o que tenho:

– três punhados de silêncio,
– três malas de orações,
– uns respingos de poesia.

Evoé! Voemos!

© Francine Canto